CARTA A MINHA MÃE
É tão funda e tenaz a desconfiança
de não te haver ofertado a mais pura
emoção quando a alma era inocente,
que eu te quero com culpa e me tortura
o terror de saber que talvez nunca
te possa dar o amor que tu mereces.
Meu menino brincão está morrendo
de tanto machucá-lo a tua lembrança,
e há o sabor amargo que alimenta
os meus atos de adulto e responsável.
Senhora: vou morrendo. Hoje sou outro.
Mas há um eco antigo que me traz
tua voz de veludo, tua mirada
de tranquila doçura ao ver-me em ânsias
e a tua mão segura de pastora
conduzindo o rebanho pela vida.
Perdoa-me essa ruga que te marco.
Perdoa-me este amor sem estatura.
Perdoa-me se chego a desvelar-te
com este grito de pássaro ferido.
Vou andando, Senhora, sem remédio.
E, embora saiba que só em teu regaço
acharei minha voz e poesia,
enfrento o abismo resignado e dócil.
Fala-me coração para ser teu filho.
Homero Icaza Sánchez>
Tradução de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira